A paixão pelo artesanato geralmente vem de berço. E com José Alves da Cruz, o mestre Zé Alves, não foi diferente. Seu pai costumava produzir alguns brinquedos feitos de madeira e, outros, de lata. Na inquietude da infância, aos 12 anos de idade, começou a se descobrir artesão esculpindo nas bananeiras que encontrava pela vizinhança no bairro dos Coelhos, área central do Recife, cidade onde nasceu. Sua mãe não gostava muito dessa “trela” e sempre reclamava, conta José Alves. Mas ela não pôde evitar a curiosidade do filho.
Foi então que ele percebeu o que queria. Nos encontros e desencontros da vida, ainda muito novo, com quase 20 anos de idade, conheceu Silvia Coimbra, dona da galeria Nêga Fulô Artes e Ofícios, considerada uma das pessoas mais importantes no universo da pesquisa sobre arte popular brasileira. Foi convidado por ela para trabalhar no espaço que, durante os seus dez anos de atividade, dedicou-se a além de comercializar peças, fomentar o debate sobre arte e cultura popular nordestina.
Durante seu trabalho na galeria, Zé Alves cruzou com outro mestre de arte bastante expressiva no Estado: Manoel Fontoura, o Nhô Caboclo. Com data incerta sobre o seu nascimento, provavelmente na primeira década do século 20, sabe-se ainda com certa dúvida que o artista era descendente de índios Fulniôs, pertencentes às terras do município de Águas Belas, no agreste de Pernambuco.
Desde muito pequeno, sua arte era feita com barro. Costumava dizer que tirou barro com Vitalino, em Caruaru. Mas sua produção de maior destaque foi em peças feitas à base de madeira e folhas de flandres. Estas peças de estilo único retratavam negros guerreiros, pássaros, embarcações carregadas de homens, índios e outras temáticas.
(Imagem da internet)
Com incertezas sobre suas origens, Nhô Caboclo foi acolhido das ruas do Recife por Silvia Coimbra e passou o resto da sua vida trabalhando para ela na galeria. O artista se destacou como sendo a inspiração fundamental na arte de José Alves. “... foi aí que eu encontrei com o mestre Nhô Caboclo. Cheguei a ajudá-lo muito. Ele faleceu e eu continuei a obra dele. Ela (Silvia Coimbra) lançou um livro e me colocou como discípulo de Nhô Caboclo e eu até hoje estou nesse ramo. Hoje eu sou discípulo Nhô Caboclo”, relata.
Em um dos pontos mais altos do bairro de Águas Compridas, em Olinda, está localizada a casa-ateliê do mestre Zé Alves. Conhecido e respeitado pela vizinhança, o artesão nos recebe com alegria e sorriso aberto.
Suas esculturas são feitas em madeira louro canela, que possui um cheiro forte, a textura é de fácil manuseio e resistente a bicho; e cipó canela, colhido pelas redondezas de sua casa para fazer o acabamento de algumas peças. Navios negreiros, escravos, sacis-pererês, índios (bonecos maiores), guerreiros tribais, casas de farinha, bonecos em quadros… A arte de José Alves conversa constantemente com o começo de tudo, passando a ter um estilo próprio que o artista adquiriu, possuindo forte influência africana. A cor preta predomina e o vermelho aparece em destaque em alguns momentos.
Do corte à pintura, Zé e sua equipe rapidamente dão vida ao pedaço de madeira. Ele trabalha com mais três pessoas: um casal de filhos e o vizinho, Leandro Gomes, responsável por lixar e pintar as peças. “Eu trabalho com ele há dois anos. Sou vizinho dele, por isso vim parar aqui. Ele me chamou para trabalhar com ele e eu vim. Desde pequeno eu já admirava muito as peças dele. Eu achava tudo muito bonito”, conta.
Contrariando o que o senso comum diz sobre quem vive do artesanato no país, José Alves conta que não vê dificuldade no trabalho. “Eu vivo só dessa arte, desse artesanato. Não é difícil, não. É fácil. Tudo que eu faço, eu vendo. Meu trabalho é sempre bem recebido em qualquer lugar que eu chegue. Eu fui para Portugal para passar 15 dias e levei muita arte para lá. Com nove dias meu material acabou todinho”, comenta.
Países como Portugal, França, México, Estados Unidos, Espanha, Suíça, além de diversos outros estados do Brasil já receberam sua arte. Sempre a convite, representa o Estado de Pernambuco mundo afora em exposições de eventos culturais. A quantidade de peças já feitas é incerta. Ele conta, brincando, que dá para encher dez carretas ou mais. A sua maior peça, um quadro com quase seis metros, está em Portugal.
Aos 65 anos de idade, a paixão pelo que faz é o segredo da satisfação no trabalho que realiza há mais de 30 anos. Para Zé, nada está ruim ou imperfeito. Antes de tudo, valoriza a própria arte como ninguém. “Eu me sinto bem fazendo tudo. Eu gosto tanto do meu trabalho que às vezes eu faço uma peça e fico com pena de vender. Se eu pudesse colocaria tudo dentro de casa. Minha peça é uma peça única. Eu sou feliz com isso aqui. Não pretendo parar. Meus meninos já sabem que vão ficar no meu lugar. O pessoal diz que eu não fico velho porque eu brinco muito.”
Você pode encontrar as peças do Mestre José Alves clicando aqui.
2 comentários
Gildenise
Tenho uma peça do mestre Zé Alves que me foi trazida pelo arquiteto Racine Mourão.
Algumas partes cairam. Pra felicidade minha, encontrei o Carlos, artesão aqui de Fortaleza que recuperou.
Gostei de ouvir sua entrevista, mestre.
Joaquim Moura
Eta cabra bom demais.