Em cada canto do Brasil, há artistas que carregam consigo a alma de uma região inteira. No Nordeste, o barro ganha vida, ritmo e devoção nas mãos de mestres que transformam matéria em memória. É nesse cenário fértil de tradição e criatividade que surge a figura de Mestre Mano de Baé — um criador que faz do barro e da música instrumentos para contar a história do seu povo.

"O trabalho com a cerâmica melhorou minha visão de mundo"
1. QUEM É MESTRE MANO DE BAÉ?
Nascido em Tracunhaém, na Zona da Mata Norte de Pernambuco, Evilásio Leão Machado — mais conhecido como Mestre Mano de Baé — dá continuidade à herança artística deixada por seu pai, o renomado Mestre Baé. Suas obras carregam histórias, identidade e pertencimento, mesclando religiosidade, cultura popular e o cotidiano sertanejo.
O primeiro contato com o barro aconteceu ainda na infância, quando Mano se sentou no chão da sala ao lado dos irmãos para ajudar o pai nas etapas de criação das peças — como o acabamento e a ocagem. Começou modelando animais e figuras inspiradas no que via ao seu redor. Com o tempo, suas esculturas passaram a incorporar temas mais amplos, abordando questões raciais, de gênero e religiosas. Suas criações reúnem elementos tanto da religiosidade afro-brasileira quanto do catolicismo popular, representando orixás, santos e beatos com poesia e força simbólica.
As obras de Mano de Baé são marcadas por traços expressivos, formas alongadas e uma estética singular que mistura o tradicional com o contemporâneo. Figuras femininas, orixás, sereias e personagens do imaginário popular ganham vida em peças que transbordam simbolismo e emoção. Seu talento atravessou fronteiras e conquistou reconhecimento nacional: algumas de suas esculturas foram destaque na cenografia da novela A Lei do Amor , da TV Globo, levando sua arte para milhões de lares brasileiros e reforçando a importância da arte popular na valorização da cultura nacional.
2. A ALMA DO ARTISTA NAS ENTRELINHAS DA ARTE
Muito além do que se vê em suas esculturas, Mestre Mano de Baé carrega uma trajetória repleta de detalhes que revelam ainda mais a profundidade de sua arte. Autodidata em constante reinvenção, mesmo com o legado herdado de seu pai, ele sempre buscou experimentar e criar peças únicas — nunca repete uma escultura exatamente igual à anterior.
O barro que utiliza vem da própria região de Tracunhaém, conhecido pela sua qualidade. O processo de preparação é todo manual e cuidadoso: a massa precisa descansar e passar por peneiras antes de ser moldada. E no momento da queima, nada de instrumentos modernos — Mano confia nos sentidos: o cheiro, a cor da fumaça e até o som do barro indicam quando está pronto. “O barro avisa”, ele diz.
No ateliê, é comum ouvir música enquanto trabalha. Coco, maracatu e sambas antigos embalam o ritmo das mãos que modelam. Ele acredita que a música interfere na criação, dando movimento e alma às obras. Antes de começar uma nova peça, faz questão de um momento de silêncio — um gesto pessoal de concentração e respeito, como se escutasse o barro antes de dar-lhe forma.
Sua produção também se abre para histórias que vêm de fora. Muitas de suas encomendas partem de memórias, homenagens ou relatos pessoais, transformando suas esculturas em verdadeiros arquivos afetivos. Além disso, certos elementos presentes nas peças — como padrões geométricos e adornos — vêm da inspiração na cultura indígena, outra influência que se entrelaça em sua criação.
Essas pequenas grandes curiosidades revelam que a arte de Mano de Baé é feita não só de técnica, mas de escuta, presença e conexão com o que é ancestral, vivo e verdadeiro.
"Depois de adulto, vim a confeccionar as esculturas e, hoje, estou dando continuidade ao trabalho do meu pai"
3. O LEGADO CULTURAL DE MESTRE MANO DE BAÉ
Tendo como sua maior inspiração o pai, Mestre Baé — que além de artesão também era músico, tocando cavaquinho, banjo e violão — Mestre Mano de Baé cresceu rodeado por expressões artísticas múltiplas. Essas influências o moldaram não apenas como ceramista, mas também como um criador inquieto, que experimenta diferentes linguagens, como o teatro e o samba de coco, conectando forma, som e movimento.
Entre pausas e retomadas ao longo da vida, foi em 2014 que tudo se transformou. Atendendo ao pedido de sua esposa, que desejava acompanhar de perto o processo de criação de uma obra, Mano voltou ao barro com intensidade. Ao finalizar a peça e vendê-la rapidamente, notou o interesse das pessoas pelo seu trabalho — e, a partir daquele momento, não parou mais.
Com poesia e personalidade, Mano de Baé entrelaça traços que remetem ao legado de seu pai com uma identidade própria e singular. Um exemplo marcante disso é a figura da sereia: ao acidentalmente achar a cabeça da escultura, ouviu o elogio de um cliente que via ali algo especial. Aquele "erro" virou marca registrada, e transformou aquele acidente em identidade.

4. SUAS PRINCIPAIS OBRAS
A produção artística de Mestre Mano de Baé é vasta, simbólica e profundamente ligada às raízes culturais do Nordeste. Suas peças, moldadas com precisão e sentimento, representam personagens míticos, religiosos e cotidianos que habitam o imaginário popular.
Entre suas criações mais emblemáticas está a sereia , figura mítica que ganhou forma própria nas mãos do artista. Com silhueta alongada e expressiva, a sereia de Mano de Baé é facilmente reconhecida pela cabeça levemente achatada — um detalhe que surgiu por acaso e acabou se tornando sua marca registrada. Ela simboliza o encontro entre a magia, o mistério e a força da cultura popular nordestina.
Outro eixo importante de sua produção são os orixás , como Oxum, Xangô e Iemanjá. Esculpidos com respeito e riqueza simbólica, esses personagens da religiosidade afro-brasileira carregam elementos característicos, como vestes, acessórios e posturas que transmitem força, espiritualidade e ancestralidade.
Mano também dedica parte de sua obra aos santos e beatos do catolicismo popular. Suas esculturas trazem um olhar sensível e contemporâneo sobre essas figuras de fé, com simplicidade nos traços e profunda devoção expressa em cada detalhe.
As figuras femininas também ocupam um espaço central em sua arte. Inspiradas nas mulheres do sertão e do cotidiano, essas esculturas celebram a força, a identidade e a beleza feminina, traduzidas em formas que equilibram delicadeza e firmeza.
Além disso, Mano de Baé cria animais do sertão , como aves e répteis, em peças menores que reforçam sua ligação com o território e a natureza local. Esses elementos são como fragmentos poéticos do ambiente onde vive e cria.
Por fim, suas mãos também moldam personagens do imaginário popular , como caboclos e entidades místicas, representados com liberdade criativa e uma leitura simbólica única. Cada peça é um portal para o universo encantado do Nordeste — uma identidade onde mito, memória e identidade se entrelaçam em barro e expressão.
5. DO BARRO À MÚSICA: A EXPRESSÃO VIVA DE UM MESTRE
Mas não só de barro vive o mestre. Entre um forno e outro, Mano de Baé também faz da música um caminho de expressão. Com passagens por grupos de samba de coco e outras manifestações tradicionais, sua vivência musical não é paralela à sua arte — ela a atravessa. A musicalidade se estende em suas obras, como um sopro de ritmo que molda formas e dá movimento à argila. É na forma e no som que ele construiu sua identidade artística.
Com o tempo, Mano de Baé consolidou-se como um dos grandes nomes da arte popular pernambucana. Participou de eventos como a FENEARTE e, em 2019, foi reconhecido pelo Governo do Estado com um espaço na prestigiada Alameda dos Mestres — um marco para quem molda a cultura com as próprias mãos.
Mestre Mano de Baé é uma ponte viva entre a tradição e a criação. Suas mãos contam histórias em cada detalhe: nas memórias do povo, na curva de um orixá em barro cru, no canto do coco que ecoa no quintal. Sua trajetória nos lembra que a arte popular não é estática — ela respira, dança, toca e transforma. Do barro à música, o mestre preserva e reinventa a identidade que temos de mais importante: a nossa cultural.

6. ONDE A TRADIÇÃO ENCONTRA NOVOS CAMINHOS
A arte de Mano de Baé é um convite à escuta silenciosa: cada peça moldada por suas mãos carrega ecos de saberes antigos e a pulsação do presente. Seu trabalho transcende o ato de esculpir — é gesto de memória, resistência e beleza. Com barro e sensibilidade, ele transforma o cotidiano em símbolo, e a espiritualidade em forma.
Além de suas participações em feiras e exposições, Mano de Baé mantém seu próprio ateliê em Tracunhaém, onde recebe visitantes, compartilha saberes e dá vida às suas criações. O espaço é, ao mesmo tempo, oficina e ponto de resistência cultural — um lugar onde a tradição continua pulsando a cada fornada.
Hoje, parte de suas obras também pode ser encontrada na loja Imaginário Brasileiro, que confirma e valoriza a produção de mestres que mantêm vivas as raízes da cultura popular. Ao adquirir uma de suas peças, o público leva para casa mais do que uma escultura — leva um pedaço da alma nordestina, moldado com história, identidade e afeto.
7. COMO ADQUIRIR?
Para quem deseja ter uma obra de Mestre Mano de Baé , há diferentes caminhos: é possível encontrar suas criações na loja física ou online do Imaginário Brasileiro. Assim, você apoia diretamente a arte popular e fortalece a continuidade dessa tradição tão rica e essencial.