EM CENA: MIRO DOS BONECOS
 
Parece que a arte do mamulengo transmite algo muito forte quando nos deparamos com ela. Foi assim com Chico Presepeiro, também conhecido como Chico da Guia, que fez escola para Mestre Solon, que teve como discípulo Miro dos Bonecos. Três referências no Estado que deixaram e deixam seus legados no que diz respeito ao dom de dar vida à bonecos.
A terra do maracatu de baque solto, dos caboclinhos, da ciranda e do cavalo marinho também é a terra dos mamulengos (ou fantoches). O local é a zona da mata pernambucana, mais precisamente a cidade de Carpina. Foi de lá que saiu uma nova história a ser contada aqui no blog. Não tão nova assim, porque o personagem, ou os personagens, já são bem conhecidos mundo afora, Brasil adentro.
Aos sete anos de idade, Ermírio José da Silva, garoto humilde e filho de agricultor, cresceu na roça e se encantou ao ver, em uma praça na cidade onde mora até hoje, uma das apresentações do Mestre Solon. O mestre, que também teve o município como o cenário onde sua arte foi enraizada, viveu a maior parte da sua vida confeccionando e levando o espetáculo Mamulengo Invenção Brasileira por inúmeros lugares de dentro e fora do Estado.
Diante de tanta magia que a cultura dos mamulengos proporciona, arte tradicionalmente pertencente ao nordeste brasileiro, Ermírio voltou para casa decidido que faria um daqueles bonecos, mesmo que o seu pai não acreditasse tanto assim no potencial do filho. A partir de um pedaço da madeira do cabo de uma vassoura, saiu a primeira peça feita pelo artista. Para finalizar, a meia velha do irmão deu lugar ao primeiro boneco de luva feito por Miro dos Bonecos.
Desde então, não parou mais. Foi se aperfeiçoando a cada talhada na madeira, mesmo que também não confiasse em si mesmo e pensasse que tudo aquilo era apenas diversão da infância. “Eu pensei que era só uma brincadeira de criança, mas não era. Eu fui fazendo e trocando os brinquedos com outras crianças. Eu fui fazendo os bonecos eu fui gostando. Parece que entrou aquela coisa dentro de mim. Eu sei que eu nunca parei de fazer esses bonecos até chegar adulto. Cada vez que eu ia fazendo, eu ia aprendendo mais. Eu produzia balaio, cestas, redes, não só bonecos. Tudo que era de cultura eu queria entrar dentro porque eu queria aprender alguma coisa”, comenta.
O artista cresceu e a família que constitui também entrou no embalo das invenções. Esposa, filhos e netos se dedicam à brincadeira do Teatro de Bonecos do Nordeste que, em 2015, foi reconhecida pelo IPHAN (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) como Patrimônio Cultural do Brasil. Um peso enorme e um orgulho também. A arte de Miro dos Bonecos sabe carregar esse simbolismo com maestria.
Miro, que abandonou o trabalho como zelador em uma escola para se dedicar à
confecção das marionetes, faz sucesso por onde passa, mas só se estiver com determinado acessório. “Eu ando na rua ninguém me reconhece. Mas, se eu coloco meu chapéu, o pessoal fala ‘olha, Miro dos Bonecos! ’, conta.  E não foi só por esse acessório que Miro se destacou. Maria Grande é mais uma importante história em sua vida.
As negativas para as danças que recebia das garotas nas festas de forró que frequentava fez com que Miro, com muito irreverência, criasse uma substituta para ser sua companheira no salão. “Eu ficava triste porque eu não conseguia dançar com ninguém. Então criei Maria Grande. Criei para um concurso de forró. O pessoal se admirou. Eu já fui para França dançar com ela. Eu queria dançar com as meninas e ninguém queria, por isso criei Maria Grande”, brinca.
O colorido das chitas, a simplicidade dos cordões e arames que sustentam algumas peças, além da madeira, material base de toda elaboração dos bonecos cujos tamanhos variam de 40 centímetro à 1,60 de altura, foram o passaporte para Miro ganhar o mundo e conquistar prêmios com os mamulengos. O primeiro lugar no Salão de Arte Popular Ana Holanda do ano de 2005 foi para a reprodução da última refeição de Jesus Cristo com os apóstolos, a Santa Ceia. “Esses prêmios vão melhorando cada vez mais o sentido de criar. Já pensou você fazer um trabalho por tanto tempo e, quando chega no fim, aquele trabalho não é reconhecido, não serviu para nada? A pessoa vai ficar muito triste. Os mamulengos, os bonecos, são alegria, é para fazer a pessoa rir. É muito bom,
me sinto feliz. Todo dia eu tenho que fazer um boneco”, afirma.
O lema de Miro é se superar a cada dia. E superação é a palavra que define sua
trajetória. Gosta do trabalho que faz e não tem uma dorzinha que o faça parar, nem mesmo a deficiência no olho direito, decorrente de problemas no passado. Sempre que pode, reverte algumas de suas produções em doações, fazendo a alegria das crianças no 12 de outubro. Por vezes, seus sonhos guiam o imaginário de suas obras. “Às vezes eu até sonho com as coisas. Vou lá, faço e dá certo. Eu estou ficando velho por fora, mas por dentro é o mesmo menino de sempre. É porque me amo. Amo minha cabeça, meu coração, minhas pernas, meus braços, meus olhos… Eu fico muito feliz quando vejo meus bonecos, é uma satisfação. Eu vivo dos meus bonecos. ”

4 comentários

Livânia Régia

Livânia Régia

Que matéria simbólica, Kelly Arruda. As fotos são de autoria sua também?

luciana maria ribeiro antunes fonseca

luciana maria ribeiro antunes fonseca

vc é um show

Vanessa Magalhães Pereira

Vanessa Magalhães Pereira

Emocionante! Amo nossa Cultura nossa arte!

ANETE

ANETE

Que matéria linda.
Depoimento emocionante do artista Miro e suas peças são encantadoras, parabéns!

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